O resgate da sacola retornável

Janaíne Paiva
3 min readAug 9, 2022

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Alguns anos atrás, numa época em que eu começava a construir uma independência financeira nunca antes alcançada, aproveitei uma promoção incrível e comprei uma sacolona retornável.

Alças pretas. Alguma coleção do Alexandre Herchcovitch com a Tok & Stok. Lindíssima. De um lindo tom ciano nas laterais e ilustrações nas partes maiores — aviões camuflados e peixes voadores num céu verde de um lado, caveiras surfistas muito radicais do outro.

Não é qualquer sacola retornável. É a melhor que já tive na vida. Já me mudei muitas vezes de casa, não tenho carro, não tenho grandes malas, nem mochilas. Me ajuda a carregar as minhas coisas há algum tempo. Ela suporta muito peso, sabe? Coisa de vinte quilos.

jamais serão

Incontáveis vezes deixei de levá-la para algum lugar porque desconfiava que não seria bem cuidada ou que pudesse se perder. Sempre escolhi preservá-la e levar outras opções menos interessantes, digamos assim, mais descartáveis.

Eu não sei se é saudável ou não, mas a gente tinha uma ligação mais profunda, né? Se for errado, nem sempre estou certa, apesar de parecer. Tenho isso com a minha garrafa de água também, mas é tema para outra história.

Acontece que essa sacola surgiu numa época chave em relação à construção do que sou hoje e não posso tratá-la como um mero objeto inanimado de qualquer valor.

E aí estava eu, num sítio lindo, após consumir uma quantidade considerável de cogumelos mágicos com amigos e a minha preciosa sacolona retornável.

Me equipei com roupa, tênis, casaco, meus remédios, necessaire, garrafa de água, tupperware com misto quente dentro, carregador, minha própria bolsa. Sabe tudo? Então tudo. E quando cheguei larguei a bichinha dentro dum quarto.

Mas quando o Dr. Melo começou a me atender eu já não podia mais ignorar o fato de que minha sacola estava lá nesse quarto, frio escuro e sombrio. Largada com outras sacolas que ninguém se importa.

Como se eu nem ligasse pra ela.

Juro, eu passei por perto do quarto num momento e ouvi gritar. Olhei pra ela, colorida divertida, lúdica. Me olhando e questionando, “você vai mesmo me deixar aqui sozinha no escuro? Janaine!” e fechei a porta.

Não pude fingir demência e ignorar o chamado da bichinha por muito tempo. Assim que se distraíram da minha loucura, saí correndo, fui desesperada atrás da sacola. O quarto um breu, tinha gente dormindo não podia acender a luz. Me abaixei e fui tateando cada sacola do caminho, encontrei..! Puxei com força pra fora, como um bombeiro resgata alguém das chamas.

Tadinha.

Vesti a sacola e todo seu peso no ombro e saí correndo pro carro. Sentindo até dor de tanta culpa, por ter ouvido seu pedido de socorro e não ter feito nada.

Quando deixei ela no banco, meu coração finalmente desceu pro lugar. Implorei por perdão. Não devia nem ter tirado ela de lá, pra começo de conversa. Não precisei de nada que estava lá dentro enquanto estive fora. Ela nem precisava ter ficado com aquelas outras que ninguém liga.

Dentro dela encontrei o chá que sempre tomo nessas horas e que consegue me recuperar desses tsunamis de pensamentos e sensações. Nunca vou me esquecer do sabor de vida que esses goles enormes tinham, mamei, mamei, fiquei até sem ar, tampei e guardei de volta na sacola.

Fiz um carinho vestindo no rosto aquele sorrisinho cínico de quem acabou de viver uma pataquada dessa e se dá conta, sabe?

Voltei pra casa até devagar, contemplando o sucesso, pensando comigo mesma e concluindo que o resgate aconteceu sim, antes tarde do que nunca.

Vivemos mais alguns meses felizes, apesar de um furinho que ela sofreu na parte de baixo. Nada que eu não tomaria cuidado para todo o sempre. Mas o destino quis diferente.

Um dia ela foi e não voltou mais, não me ligou, só desapareceu. Vai ver eu era tóxica, vai ver ela conheceu outra pessoa. Desde então eu não carrego nada pra nenhum lugar. Se vou, vou leve. Só que as vezes me pego pensando, será que está feliz?

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