A cachorra

Janaíne Paiva
3 min readDec 21, 2020

--

Cara as coisas acontecem na minha vida e eu realmente não sei explicar. Assim, eu tento, venho aqui, fico parlando, mas até pra mim que estava lá no momento parece mentira.

Eu ganhei uma promoção pra viajar de ônibus pra uma cidade turística e passar um feriado lá. Ida e volta, no feriado, um fim de semana. Eu chegaria lá bem cedo e não conhecia nada da cidade, precisava de um auxílio. A dona da casa que ia me hospedar tomou um chá de sumiço e fiquei rodada desde as 7h da manhã.

Lá pras 21h lembrei de uma mina muito simpática que um parceiro tava traçando, que conheci um tempo antes e mandei uma mensagem como quem não quer nada. Eu queria. Abrigo, por favor.

Ela dividia apartamento com um amigo, a irmã dele e a cachorra deles, mais dele do que dela. A cachorra não gostava muito da minha amiga, por isso a gente precisava sempre se lembrar de fechar a porta do quarto dela, senão a cachorra entraria no quarto e mijaria na cama. Na cama. (Confesso que esqueci uma vez e quando me lembrei e voltei correndo, ela já tava na posição esperando alguém testemunhar o crime. Me encarou quase sem piscar, enquanto mijava litros de urina quente e fedorenta de um cão de mais de 15kg no colchão da minha amiga.)

Antes da gente seguir pro meu abrigo, ela combinou de encontrar o roomie em algum lugar pra todo mundo voltar junto. Até aí tudo bem.

Por que os dedos dele estavam percorrendo o conteúdo da minha calcinha horas depois, eu não sei. A gente tava num amasso na horizontal super quente e desajeitado, ele deu uma escorregada de leve e arranhou meus grandes lábios. Coisa que descobri depois na hora do banho quando ardeu e eu quis cair morta ali mesmo. No box do banheiro dum cara que eu tinha acabado de conhecer.

Relevei o corte fino na minha larissinha e continuamos ficando durante minha estadia lá. Nada demais, eu curtia o jeito dele, corpinho roliço, barriga grande e uma camada espessa de pêlos corporais. Mas gente boa, engraçado, educado e bom, já me bastava.

E aí a gente passou a dormir juntos, eu, ele e a cachorra.

A cachorra boxer, dona da porra toda, cheia das nove horas e manias que ele prontamente resolvia. Ela era tudo pra ele, entenda. Tudo.

Até que a gente ia começar a transar e tinha uma criatura enorme deitada na cama com a gente. Eu entendo quem deixa o animal doméstico no recinto, mas na cama é demais pra mim. O bicho sabe o que tá acontecendo ali, o cheio muda no ar, os sons não são nada agradáveis pra quem não tá participando e bom, ela era bem possessiva com ele.

Nessas eu delicadamente empurrei a cachorra com o pé. Delicadamente mesmo, pra ela sentir que estava saindo da cama e levantar as pernas, né?

Engano meu. A cachorra se fez de peso morto, caiu no chão e fez o maior escândalo. Gente, eu juro, não sou uma má pessoa, jamais derrubaria a cachorra da cama na maldade, realmente achei que ela entenderia o “empurrãozinho” que eu tava dando pra ter mais privacidade naquele momento.

E aí tudo desandou. Ela chorou, levantou mancando de uma perna. Olhava pra ele com aqueles profundos olhos escuros de um boxer que perdeu tudo. Tudo.

Ele levantou desesperado, pegou a cachorra no colo, correu pra sala pra ligar pra veterinária e contar o que aconteceu.

Durante esse tempo ela me olhava gélida. Me olhava dizendo “viu, ele me ama mais.” e eu incrédula.

Oblíqua e dissimulada, não podia acreditar que aquilo tudo era um episódio armado por ela.

E era.

Assim que ele virou as costas e foi se vestir desesperado, ela andou sem mancar e olhou pra mim. Olhou nos meus olhos e me colocou no meu lugar. No lugar que eu não ocupava. Eu entendi tudo.

Se contasse, ninguém acreditaria em mim.

Fiz minhas malas, fui embora, nunca mais olhei pra trás. Até hoje tremo na base quando vejo homens solitários e seus animais domésticos. Não dá, toda criatura que recebe amor sente um pouquinho de posse. Faça bom proveito.

Me siga no twitter, eu também falo merda por lá: @janainepaiva

--

--